Ecos de Sombra e Luz representa o quarto capítulo da trajetória da banda. Como foi o processo criativo deste álbum e o que o torna, nas tuas palavras, “o mais importante para toda a história da banda”?
Olá, Miguel! Antes de mais, é um prazer poder estar aqui contigo a apresentar o trabalho da banda Lúgubre.
Tal como em todos os álbuns anteriores, tudo começa com uma harmonia básica, muitas vezes criada ao violão. Gravo a base na guitarra e, aos poucos, ela vai-se transformando até chegar aos arranjos finais. Depois da música pré-produzida, procuro perceber qual poema se encaixa melhor, sentimentalmente, naquela construção musical. A partir daí, começo a criar as linhas vocais.Este foi o primeiro álbum em que participei de todo o processo — desde os primeiros acordes até à masterização e criação da arte gráfica. Algumas músicas foram compostas na época em ovos arranjos e incluí-as no disco. Temas como Então se foi…, E as lágrimas em minhas mãos e Parece-me tão estranho o amor das noites, porque sempre vi nelas um grande potencial artístico.
As músicas Ecos de Sombra e Luz, Não me tragas murmúrios ou falsos abraços, Por entre trevas que os meus olhos se escondem e Queria eu estar na pele tua são todas composições de 2024, e representam de forma mais fiel o que é, hoje, o projeto Lúgubre. É a versão mais completa e original daquilo que visualizo nas composições. Por isso considero este álbum o mais importante da nossa história. É a verdadeira forma Lúgubre de fazer música.
Ao longo da história da banda, a melancolia e a beleza trágica estiveram sempre presentes. Como consegues transformar experiências pessoais tão duras — como a solidão, a perda ou a luta interna — em composições tão atmosféricas e sensíveis?
Desde que comecei a pensar na banda, por volta de 2007, quis criar algo que expressasse os sentimentos que carregava nos meus poemas. A crueldade emocional do ser humano, a forma como se expressa na dor, no ódio, no amor, na desilusão… Quis partilhar a minha experiência de forma sincera. Sempre encontrei beleza na tragédia. O isolamento levava-me à criação — escrevia, ou pegava na guitarra. Era a forma de fugir da realidade.
Nunca fui muito de compor em parceria; sempre vi na minha solidão a melhor companhia e inspiração. Tudo isto foi-se materializando em dedilhados insólitos, bases arrastadas e melodias tristes. Depois, encaixar os elementos tornou-se natural.
A sonoridade navega entre o rock gótico, o doom, o psicadélico e o depressivo, mas sem se prender a rótulos. Como manténs essa liberdade criativa sem perder a identidade sonora da banda?
Sempre me identifiquei mais com músicas tristes, lentas e arrastadas. Isso levou-me a apaixonar-me pelo doom metal e por muitas outras vertentes do metal. Mas também ouvi muito hard rock, rock progressivo, psicadélico e gótico dos anos 70. Isso moldou-me como instrumentista.
A minha primeira experiência em banda foi no death metal, com os Sign of Hate, que fundei com o Rodrigo (baterista da Lúgubre até 2023). Esta diversidade de influências permitiu-me criar algo que atravessa vários estilos e atmosferas, sem perder coerência.
O início da banda foi marcado por várias mudanças de formação e resistência da cena local às composições mais melancólicas. Que ensinamentos tiraste desse período e como moldou o espírito dos Lúgubre?
As mudanças de formação aconteceram por razões diferentes — compromissos pessoais ou diferenças criativas. Alguns membros não compreendiam bem a proposta da banda, porque era diferente do que se fazia na altura. Havia pouca abertura ao “diferente”.
Não diria que a resistência era apenas pelas composições melancólicas, mas sim pelo facto de a banda não se prender a um rótulo. As pessoas tentam sempre encaixar tudo em géneros. Eu não queria estar preso a nenhum. Vinha de uma banda de metal, e esperavam que eu tocasse metal. Quando ouviram algo diferente, em português, com poesia, houve estranheza.
Falar de amor, desilusão e solidão em português soava “brega” para muitos. Se fosse em inglês, talvez fosse mais aceite. Mas o que aprendi com isso foi a valorizar a humildade e a sensibilidade para escutar as críticas e integrá-las no sentimento das composições. Sempre acreditei no meu trabalho. Hoje, sinto-me mais próximo do ponto onde consigo expressar todas essas influências
Nos últimos anos, tens assumido cada vez mais frentes dentro da banda, desde a composição até à produção musical. Como tem sido essa jornada mais solitária e autodidata, especialmente no EP Amor & Morte e neste novo disco?
Sempre fui o principal compositor da banda, mas a maior dificuldade era na parte técnica — gravação, mistura, masterização. O álbum Como portas que se fecham (2022) foi produzido pelo Rodrigo, mas com a saída dele, não tive outra opção senão aprender sozinho.
Sem orçamento para estúdio, mergulhei nos estudos técnicos e comecei a aplicar esses conhecimentos no EP Amor & Morte. Se fosse hoje, mudava alguns detalhes da mistura, mas na altura fiquei bastante satisfeito com o resultado.Em seguida, produzi o EP Dazzle of Pain do meu outro projecto, Bleakness of Souls, mais virado para o dark/doom/death metal. Actualmente, estou a iniciar a pré-produção do primeiro álbum dessa banda também.
Com isso, produzir Ecos de Sombra e Luz tornou-se mais fácil. Comecei a pré-produção em agosto de 2024 e finalizei o disco já em 2025. Todo o álbum é resultado desse amor profundo pela música melancólica.
Há por aqui um forte componente poético — do nome da banda aos títulos e letras das músicas. Qual é o papel da poesia na tua criação artística, e que autores ou temas mais te influenciam?
Comecei a escrever nos anos 90 e nunca parei. Hoje, muitos dos poemas que estão nas músicas da Lúgubre pertencem ao meu livro O Monstro da Tragédia da Alma, publicado em 2014. Outros farão parte de um novo livro que estou a preparar, ainda sem data de lançamento.
Ter tantos poemas prontos facilita o processo — escolho aquele que melhor encaixa no sentimento do instrumental. Em termos de influências, os primeiros que me marcaram foram William Shakespeare e Charles Baudelaire. Mesmo tardiamente, tocaram-me profundamente.
Gosto também de autores como Eça de Queirós, Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, Bocage… Sempre me atraíram temas ligados ao romantismo, à tragédia, ao terror emocional e à melancolia.
Se tivesses de escolher uma única música de Ecos de Sombra e Luz para representar a essência da Lúgubre em 2025, qual seria e porquê?
Ecos de Sombra e Luz, sem dúvida. Ela carrega a melancolia e a agonia da perda dentro de uma atmosfera densa, com riffs arrastados e um clima profundamente triste. Simboliza muito bem a reflexão proposta pelo título: o eco das sombras e das coisas mortas que trazemos dentro de nós — e que, por vezes, também nos guiam até à luz.
O Blog para consultar meus poemas. O livro físico pode ser adquirido entrando em contato comigo.
https://omonstrodatragediadaalma.blogspot.com/
Entrevista de Miguel Correia
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