Carlos Paredes foi da terra, do povo, das lutas. Paredes de nome e daquelas que o enclausuraram, mas nunca calaram, pois sempre fez da guitarra portuguesa a sua arma.
“Entre Paredes”, o segundo trabalho de Paula Teles, celebra o centésimo aniversário do nascimento de Carlos Paredes. Mas “Entre Paredes” está muito além dessa celebração que a si chama. É simultaneamente uma homenagem ao tempo passado e tantas vezes perdido entre paredes e uma reflexão sobre o que ainda não se libertou e se mantém “entre” (paredes, preconceitos, máscaras).
É uma homenagem ao tempo entre o nascimento e a morte de Carlos Paredes, ao tempo em que se calavam as vozes discordantes entre as paredes frias da PIDE, do Aljube, Caxias ou Tarrafal, ao tempo de esperança perdida da juventude passada entre paredes de quartéis e casernas numa guerra colonial, ao tempo entre paredes clandestinas onde se preparou uma revolução.
É uma reflexão sobre o que se mantém entre paredes: a violência que sofrem as mulheres tantas vezes calada entre as paredes de tijolo, do medo e da vergonha, a liberdade que tantos querem algemar, os pecados escondidos nas paredes de salmos, versículos e epístolas, a diferença que se esconde por medo de rejeição, ridicularização, ostracização.
Tudo isto está entre as linhas de “Entre Paredes”, a música, e entre as linhas de “Entre Paredes”, a arte da capa.
Na música, através do encontro entre o progressivo, o metal e o fado, a voz lírica, forte e impactante e a profundidade das palavras cantadas, “Entre Paredes” deixa-nos despidos, desnudados na alma. É como se mergulhássemos até ficar sem fôlego e viéssemos à tona para respirar, vezes sem conta. Não é doce, mas também não é agressivo. É real! Tão real como as histórias da História que conta. Não é um álbum conceptual, apesar de ter um conceito, não é complexo, mas requer maturidade e total despojo de pré-conceitos para a sua audição, não é metal, não é fado - é Paula Teles!
Na capa, a própria Paula Teles é a figura central, num misto de mulher, divindade e a representação da Liberdade. Uma coroa de flores e espinhos que criam uma espécie de aura, vestes negras a lembrar o luto mas cujas transparências não escondem a feminilidade, um manto que de negro se torna em carmesim, desde o sangue derramado pelo povo à cor dos cravos que trouxeram a esperança. As mãos em pose que faz lembrar aparições de outros tempos e aos seus pés, uma multidão de vestes escarlates eleva um cartaz onde o nome do álbum assume o sentido de palavras de ordem e liberdade. O caminho que se abre entre as duas margens é desbravado pela força e coragem da multidão, ou uma dádiva de algo superior e divino? E tudo isto se passa tendo como pano de fundo uma lua cheia que preenche um céu estrelado. Mais uma vez o feminino assume aqui um papel relevante, no seu significado de fertilidade e criação, gerador de uma nova vida, criador de esperança.
Desde “Desencanto”, o EP de estreia de Paula Teles a solo, que não consigo deixar de fazer uma certa analogia com António Variações: a irreverência, a criação de um estilo muito próprio, a capacidade de arriscar ser diferente e de com isso demarcar-se e chocar o instituído.
Paula Teles mostra, uma vez mais, que é do povo e para o povo que canta, do “Povo que lavas no rio, Que talhas com o teu machado, As tábuas do meu caixão”.
“Sorrimos a preto e branco porque sabemos que olho por olho torna o mundo cego” - (Re) Encarnado - “Entre Paredes” - Paula Teles
Data de lançamento: 20 abril 2025
Editora: Ethereal Sound Works
Muito bom...passei a conhecer melhor a alma desta artista 🔥🤘
ResponderEliminarMuito obrigada pelo feedback Ricardo. Esse é o objectivo do blog.
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