INÉRCIA - 27 Anos de Resistência Punk entre Altos, Baixos e Persistência
Formados em 1997 em São Gonçalo (Rio de Janeiro), os Inércia são um verdadeiro símbolo de resistência do punk hardcore brasileiro. Com mais de duas décadas de estrada, várias formações e diferentes fases criativas, continuam a representar o espírito “faça você mesmo” com autenticidade, energia crua e letras diretas que denunciam injustiças sociais, políticas e existenciais.
Em 2024, a banda voltou à ação com a regravação do clássico Ataque Sonoro (com um tema do Vírus 27), deu início à reorganização do seu repertório e prepara-se agora para regressar aos palcos com uma nova formação, ensaios renovados e planos para gravar material inédito.
Conversámos com João Loki, vocalista e único membro da formação original, sobre o passado, o presente e o futuro dos Inércia e sobre o que ainda mantém viva a chama de uma das bandas mais persistentes do underground carioca.
Os Inércia nasceram em 1997 e já passaram por diversas formações e fases distintas. O que tem mantido viva a chama da banda ao longo de mais de duas décadas de estrada, mesmo com tantos altos e baixos?
Confesso que recentemente tive mais um desses momentos de dúvida, mas já estou a recuperar o ânimo. Em breve estaremos de volta aos ensaios e à procura de um palco. Há bons espaços ainda, seja no Rio, em São Gonçalo (a nossa cidade natal) ou mesmo em Niterói.
O início da banda foi marcado pelo espírito “faça você mesmo”, com a gravação da primeira demo antes mesmo do primeiro concerto. Sentem que esse espírito ainda define os Inércia nos dias de hoje?
Sim, sem dúvida! Somos completamente independentes. Cada um tem o seu trabalho fora da banda, não vivemos da música, vivemos a música. É a intensidade do punk que nos mantém lúcidos e com vontade de fazer algo. Aquela sensação de estar no palco, sentir a energia do público, ouvir alguém cantar as tuas músicas mesmo sem passarem na rádio… Isso vale tudo.
Infelizmente hoje quase não temos rádios ativas, só web rádios e mesmo assim, poucas pessoas ouvem. Mas apesar de todos os obstáculos, seguimos em frente.
Ao longo da vossa trajetória, lançaram demos como Sem Futuro, Sem Preço para a Liberdade e Eu Digo Não!. Como evoluíram musical e liricamente? Que temas continuam a ser intocáveis para a banda?
Muitos dos temas continuam bem atuais, política, guerras, desigualdade nas ruas. Voltei recentemente a escrever letras, depois de um tempo parado, e costumo compor já com riffs na cabeça. Apesar de não tocar muito bem guitarra, faço as bases e passo para os outros membros desenvolverem.
Acho que isso tem sido o nosso motor criativo: trabalho em conjunto, respeito pelas ideias de todos, ouvir novas sonoridades, umas vezes mais agressivas, outras mais punk clássico. Houve uma clara evolução desde os primeiros registos até ao mais recente.
Temos muito material guardado. Em vez de focar só em concertos, estamos a planear trabalhar essas músicas para um próximo CD. Só o tempo dirá.
Vocês são uma verdadeira escola de resistência underground, mas passaram por várias pausas. Como se reinventa a banda a cada regresso?
Enquanto os companheiros nesta jornada estiverem dispostos, vamos sempre seguir em frente. Quando alguém sai, procuro outro que queira continuar. Claro que a convivência, o stress e as vidas pessoais pesam, mas um novo membro traz sempre ideias frescas, outra pegada, outra energia.
Estive meio desgastado nos últimos tempos, mas isso passou. Agora é marcar ensaios, tocar ao vivo e trabalhar as novas músicas. É essa vontade de estar no palco, sentir a energia do público… é a nossa válvula de escape.
A banda participou recentemente na regravação do clássico Ataque Sonoro, com um cover dos Vírus 27. Como foi essa experiência?
Foi incrível gravar essa música. Tirámos o tema num fim de semana e gravámos logo na semana seguinte no Studio Rua 13, com o nosso amigo e produtor Tetéo Rivera.
Quem gravou a guitarra foi o Luiz “LC” Cláudio, que aceitou o convite para se juntar à banda. Vamos começar os ensaios em agosto com um novo repertório, incluindo músicas que já não tocávamos, especialmente do primeiro CD demo.
Foi também uma forma de provar, mesmo em meio a tantas dificuldades, que temos o nosso lugar e o nosso valor na cena.
Membros de bandas como Lombrigas Cabeludas, Distúrbio Psicótico e Michael J. Fox passaram pelos Inércia. Como é essa convivência criativa?
Tudo começa com a amizade. Conheci os Lombrigas antes mesmo de entrar para os Inércia. A ligação com a cena de São Gonçalo e do Rio foi crescendo com o tempo. Cada músico que passou por aqui trouxe o seu estilo e influências.
Às vezes tínhamos uma bateria mais pesada, outras vezes riffs mais cadenciados ou agressivos. Variava com o humor do dia, haha. Mas o mais importante é que criámos laços de amizade que se mantêm até hoje.
Têm tocado menos nos últimos tempos. Há planos para novo material ou um novo lançamento?
Sim, com certeza! Já mencionei antes, essa é a vontade. Convidámos o Luiz “LC” Cláudio para ser o novo guitarrista. O Vitor Hugo, que estava connosco desde 2024, decidiu sair e dar lugar ao LC, cuja pegada é diferente e mais próxima da nossa nova proposta.
Estamos parados desde maio de 2025, mas já atualizei o repertório. Queria mesmo resgatar temas do primeiro CD. Andava cansado de tocar sempre as mesmas músicas e cheguei ao ponto de me aborrecer, eu, que era o mais entusiasmado da banda.
Estamos a preparar ensaios para agosto. Também está em curso um CD online com músicas cover, faixas de estúdio que nunca lançámos, uma espécie de antologia do que fomos tocando ao longo da carreira.
Se tudo correr bem, queremos sim gravar um novo CD.
Para quem está a descobrir os Inércia agora que fase da banda melhor resume a essência do vosso som e atitude?
Difícil escolher! Da primeira fase, diria, que temas como, Manifesto e Farsantes da Paz, (esta vai voltar aos setlists!). Da segunda fase, Sem Preço para a Liberdade e P.N.C., que até virou um hit, haha. Da terceira fase, Cidade Maravilhosa? e Eu Digo Não!.
Estas músicas representam bem a nossa fúria e atitude no palco, o tipo de som que faz o público cantar conosco.
Espero que possamos causar, por menor que seja, um impacto como o que o Cólera causou em nós. São essas bandas que deixam um legado, mesmo com a perda do seu vocalista. Quem sabe um dia possamos inspirar alguém da mesma forma. Obrigado Miguel pelas excelentes perguntas, e à Rock Zone/Backstage 2.0 por esta oportunidade. Espero ver-vos num dos nossos concertos!
Entrevista de Miguel Correia