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BACKSTAGE 2.0

[Português]  Blogue de entrevistas e reviews a bandas de rock e metal: todas as reviews e entrevistas serão publicadas em português e no idi...

🎙️Entrevista - NEKROMATICS

Nekromatics pode ainda ser um nome desconhecido para alguns, mas isso será por pouco tempo. Duo de Almada, apresentam-se como Melek Taus na guitarra e Melkor no baixo e voz, presenteando-nos com uma fusão de black/death metal sinfónico através da qual nos atraem para as profundezas místicas e brutalmente obscuras do ser humano e das suas vivências. Com apenas um lyric video lançado - "Overkill Boulevard" -  os Nekromatic lançarão em breve o seu primeiro álbum. Estão preparados para o que aí vem?


Vamos começar pelo princípio: como surgiu a ideia de formarem uma banda, ou mais concretamente, esta banda?

A ideia dos Nekromatics surgiu no início de 2025, nascida da mente de Melek Taus. Ele queria criar algo que transcendesse o típico conceito de banda, uma entidade sonora que unisse a brutalidade do Death Metal com a dimensão obscura e cinematográfica do Symphonic Black Metal.
Começou por compor riffs e ideias base, construindo uma fundação que precisava de alguém para expandir e dar ainda mais profundidade. Foi aí que convidou o Melkor para se juntar ao projeto, não apenas para assumir o baixo e a voz, mas também para trazer toda a dimensão orquestral e assumir a produção.
Desde o início, a missão foi clara: criar música como quem executa um ritual - fria, intensa e carregada de um peso emocional ligado à morte, à ruína e ao renascimento. Nekromatics nasceu já com esse ADN, ainda dentro do estúdio e da composição, sem pressa para subir ao palco, primeiro o mundo precisava ser construído.


Definem-se como “A arte obscura de ressurreição”. Falem-nos desta definição, que tem tanto de místico como de obscuro.

Para nós, a "arte obscura de ressurreição" representa o cerne daquilo que os Nekromatics são. Não se trata apenas de fazer música pesada, é sobre criar algo que evoque o ciclo eterno de morte e renascimento, mas através de uma lente sombria e ritualística.
Cada riff, cada orquestração, cada palavra cantada ou gritada, é como uma invocação que mergulha no desconhecido, nesse território onde o que está morto nunca descansa verdadeiramente.
O lado místico vem da crença de que a morte não é um fim, mas uma transição, e o lado obscuro é inevitável, porque esse processo é caótico, doloroso e cheio de sombras.
Ao dizermos que fazemos a "arte obscura de ressurreição", estamos a assumir que a nossa música é uma tentativa de dar nova forma às ruínas, às memórias quebradas e aos espectros da existência, não de forma limpa ou gloriosa, mas crua, imperfeita e brutal, tal como a própria vida (e morte) são.


Sendo a banda composta por vocês os dois - Melek Taus na guitarra e Melkor no baixo e voz – como se estão a preparar para as actuações ao vivo? Ou Nekromatics é um projecto de estúdio?

Inicialmente, os Nekromatics nasceram como um projeto de estúdio. Queríamos ter total liberdade para explorar a nossa visão sem limites, construir um mundo sonoro denso, orquestral e brutal, sem concessões. Tudo começou em ambiente controlado, onde podíamos moldar cada detalhe exatamente como imaginámos.
No entanto, rapidamente sentimos que a energia que estávamos a criar não podia ficar confinada entre quatro paredes. Há uma urgência natural em partilhar esta “arte obscura de ressurreição” com o público, em torná-la algo palpável e avassalador ao vivo.
Por isso, estamos totalmente empenhados em levar os Nekromatics para cima do palco. Para isso, vamos recrutar músicos que não sejam apenas tecnicamente competentes, mas que também entendam a essência do que fazemos, músicos capazes de executar com precisão cirúrgica e, ao mesmo tempo, transmitir o peso emocional e a atmosfera que a nossa música exige.
Não estamos à procura de meros executantes, queremos cúmplices na criação de uma verdadeira experiência ao vivo, algo que deixe uma marca profunda em quem assistir.



“Place of Indulgence” é o vosso primeiro trabalho. Quando será o lançamento? Vai ter edição física?

"Place of Indulgence" é o nosso primeiro ritual sonoro completo e, para nós, é muito mais do que apenas um álbum, é uma obra que merece ser sentida com a solenidade que uma edição física proporciona.
Neste momento, estamos em conversações com algumas editoras para tentar viabilizar essa parceria. Acreditamos que um disco com esta intensidade e esta carga simbólica pede uma edição física digna, algo que os ouvintes possam realmente segurar, abrir, sentir o cheiro do papel e mergulhar no universo que criámos.
Se, por alguma razão, nenhuma parceria se concretizar, não vamos parar por aí: lançaremos "Place of Indulgence" em formato digital, para que a música possa começar a espalhar a sua essência, e mais tarde ponderamos fazer uma edição de autor, totalmente independente.
Quanto à data de lançamento, ainda estamos a aguardar algumas respostas, queremos fazer as coisas da forma certa, e não apenas lançar por lançar. Em breve teremos novidades concretas.


“Whispers in the dark, voices in my head, promisses of freedom...” - Assim começa o tema “Love, Murder and Mental Issues”. Fui buscar este início porque a vossa sonoridade está carregada de matizes e atmosferas sombrias, obscuras, profundas, mas extremamente cativantes. Fazendo uma analogia, é como o canto das sereias que atraiam os navegantes para o abismo. O que querem transmitir com este trabalho?

Essa comparação é perfeita porque, de certa forma, é exatamente isso que procuramos: criar algo que seduz e ao mesmo tempo arrasta para as profundezas.
Com "Place of Indulgence", queremos levar o ouvinte numa viagem ao lado mais sombrio da existência, um lugar onde beleza e terror andam de mãos dadas. Não queremos apenas fazer música agressiva; queremos criar atmosferas que sejam quase palpáveis, emoções que te envolvem, que te puxam para dentro de uma realidade distorcida.
Cada faixa é uma passagem para temas como a morte, a decadência mental, a destruição interior, mas tudo isso embrulhado numa estética que, apesar de sombria, tem um estranho magnetismo.
No fundo, o objetivo é desafiar quem ouve: convidamos à imersão, mas sem garantias de regresso ileso. Tal como o canto das sereias, a nossa música é um convite irresistível... para quem tiver coragem de aceitar.


Como foi o processo de composição, quem trazia as ideias iniciais, quem escreveu as letras, ... ?

O processo de composição dos Nekromatics foi muito orgânico, mas também extremamente meticuloso. Todas as ideias iniciais partiram de Melek Taus, que não só compôs as guitarras como também criou a bateria inicial, definindo logo a espinha dorsal dos temas.
Depois, essas bases eram passadas para Melkor, que, dentro do estúdio, estruturava o projeto completo, adicionando o baixo, a orquestração, a voz e refinando a produção para levar a música ao nível de detalhe que pretendíamos. Além disso, Melkor também acabava por ajustar e refinar alguns pormenores da bateria, principalmente nas dinâmicas e nos tempos mais subtis, para garantir que tudo se encaixasse da forma mais precisa e fluída possível.
As letras ficaram a cargo de Melkor, surgindo a partir de uma combinação de pesquisa intensa sobre os temas que queríamos abordar e a criação de tópicos que depois foram sendo refinados. Muitas vezes, durante a gravação da voz, era necessário adaptar algumas linhas para encaixar perfeitamente nas métricas e nos tempos das músicas, respeitando sempre o fluxo natural e a intensidade emocional de cada faixa.
Apesar de cada um ter funções bem definidas, todo este processo foi feito com comunicação constante entre os dois, um verdadeiro trabalho em dupla onde cada decisão era discutida e ponderada para garantir que o resultado final fosse exatamente aquilo que os Nekromatics devem representar: uma visão artística sem concessões.


Quais as vossas principais influências musicais?

As nossas influências são, sem dúvida, profundas e variadas, refletindo a diversidade de atmosferas que queremos criar com os Nekromatics. Somos muito inspirados por bandas como Dimmu Borgir e Cradle of Filth, que têm essa capacidade única de combinar a intensidade do black metal com elementos orquestrais e cinematográficos, criando mundos sonoros que são ao mesmo tempo caóticos e majestosos. Estas bandas têm uma energia sombria e épica que é um dos pilares da nossa abordagem, essa mistura de brutalidade com uma estética grandiosa e quase teatral é algo que procuramos em cada composição.
Além disso, Old Man’s Child é uma enorme influência para nós, especialmente na maneira como eles misturam melodias sombrias e complexas com uma agressividade imbatível. A fusão de black e death metal que eles fazem, cheia de intricados detalhes técnicos, é algo que tentamos incorporar, mas com a nossa própria visão.
Também temos uma forte conexão com o som atmosférico e melódico do Moonspell, especialmente nas suas passagens mais melancólicas e épicas. Eles sabem como tecer uma atmosfera sombria e ao mesmo tempo emocionalmente carregada, e isso também é uma influência presente nas nossas composições.
No fundo, essas influências ajudam a moldar a nossa sonoridade, mas procuramos sempre fazer algo único. Queremos que, apesar de sermos inspirados por essas bandas, a nossa música tenha uma identidade própria, algo que seja verdadeiramente Nekromatics. Um som que mistura brutalidade, orquestração e uma profundidade emocional que nunca perde a essência do metal mais sombrio.


Enquanto músicos, qual o maior sonho que gostariam de realizar?


O maior sonho, como músicos, é algo que acredito ser comum a todos que vivem da música: queremos levar a nossa arte a um público grande e apaixonado. Ter a oportunidade de fazer espetáculos grandiosos, com uma produção impecável, e ver as pessoas a viverem intensamente a nossa música, isso é o que nos move. Sonhamos em montar um espetáculo que seja mais do que um simples concerto, que seja uma experiência, uma imersão no universo Nekromatics.
E claro, gostaríamos de ter uma boa equipa a trabalhar connosco, profissionais dedicados, que compartilhem a nossa visão e nos ajudem a expandir os nossos limites. Isso inclui desde produtores e técnicos até, eventualmente, uma editora que compreenda o que fazemos e nos ajude a alcançar mais gente.
Num cenário mais realista, especialmente no nosso país, seria ótimo ver algum retorno financeiro pelo esforço e dedicação que colocamos na banda, embora saibamos que a música, especialmente para bandas como a nossa, não é o nosso meio de vida. No entanto, a maior realização seria continuar a gravar, a criar e a transmitir a nossa essência, sem perder de vista a nossa paixão e os nossos objetivos artísticos.
O mais importante para nós é que, mesmo que não vivamos da música, conseguimos sempre partilhar o nosso som com quem se identifica com ele e continuar a crescer enquanto banda. Se conseguimos fazer isso de forma autêntica, já consideramos que estamos a viver o nosso sonho.






🖋️ REVIEW - "Mudsign" - Ionized

Os Ionized são uma das bandas que me faz sentir bem ao sair da minha zona de conforto. E eu gosto quando isso acontece, porque nos leva à descoberta e à reflexão.


Três anos depois de “Denary Breath”, os Ionized surgiram, em dezembro de 2024, com “Mudsign”, o seu segundo LP onde sentimentos como a perda, a desilusão, a incerteza e a raiva ganham vida e transformam-se nas oito canções que o compõem.


“So_Row”, “So_Low” e “So_Long”, são os três primeiros temas de “Mudsign” que ao longo de 25 minutos (todo o lado A do vinil) ultrapassam a experiência de ouvir música, proporcionando ao ouvinte um intenso momento de catarse emocional, onde guitarras desafiantes, bateria contundente, baixo intenso e teclados melódicos acompanham e são acompanhados por uma voz “suja” e rouca, mas ao mesmo tempo cativante e sedutora, que não nos mima com doçuras mas nos embala com a dura realidade das vivências humanas.


“Mudsign” é para ouvir sem expectativas, sem pré-conceitos. É para ouvir deixando-se guiar pelas emoções que vão surgindo, provocadas pela intensidade musical que nos absorve e leva ao limite de nós próprios, deixando-nos a flutuar entre o abismo para onde nos atrai e o espaço etéreo que nos faz sentir... “Mudsign” está algures entre a queda e o emergir, entre a dor e a superação.





BACKSTAGE 2.0



[Português] 

Blogue de entrevistas e reviews a bandas de rock e metal: todas as reviews e entrevistas serão publicadas em português e no idioma de expressão da banda (espanhol ou inglês)


[Español] 

Blog de entrevistas y reseñas de bandas de rock y metal: todas las reseñas y entrevistas se publicarán en portugués y en el idioma de expresión de la banda (español o inglés).



[English] 

Blog of interviews and reviews of rock and metal bands: all reviews and interviews will be published in Portuguese and in the language in which the band speaks (Spanish or English)




🖋️ REVIEW - "Tales From The Burnt House" - Mano di Piedra

[Português] 👇
Conheço os Mano di Piedra desde o seu EP homónimo, lançado em 2017. Em 2019 lançaram "Today's Ashes" e é com este primeiro LP que a banda dá o primeiro salto evolutivo, com temas fortes e impactantes como "Ancient Gods". E falo de primeiro salto porque no próximo dia 25 de Abril todos poderão escutar "Tales From The Burnt House", o segundo LP dos Mano di Piedra e uma prova de que o que já era bom pode ainda melhorar.

O álbum começa com "At The End Of The Hole" , tema brilhante que agarra o ouvinte de imediato e nos deixa a cantar o refrão até ao início do tema seguinte, "Young Prometheus", revelando desde logo que estamos perante um trabalho diversificado, onde tema a tema seremos surpreendidos. E é o que acontece com "The Beast Inside a Man", e "The Burnt House" temas onde a dualidade do ser humano e dos seus demónios estão bem presente nas diferentes partes que compõem o tema, ora mais calmos e apaziguantes, ora mais agressivos e desconcertantes.

"Tales From The Burnt House" é como um livro de contos, onde as histórias contadas não são de uma casa ardida mas sim de uma alma em luta com as perdas, com a escuridão, com os medos e o isolamento emocional. É a historia de uma alma profunda que nos toca no mais profundo, ora de forma calma e quase doce, ora de forma gritante e dorida, como se nos rasgasse o peito com a sua dor.

Guitarras, baixo e bateria envolvem-se numa "Soul Dancing", dialogam ao longo de todo o álbum de uma forma extremamente cativante e sem que cada instrumento se sobreponha aos restantes, acompanhados da voz de David que assume tantas personalidades quantos os demónios que vivem na loucura do ser humano.

"Against The Ruins", com o seu ritmo alucinante leva-nos a um quase transe tribal e "Blue Demon", fecha o álbum de forma magistral, onde em vez de encontrar respostas, o teu espírito fica ainda mais inquieto e turbulento.

"Tales From The Burnt House" não é um álbum para ouvir em viagem ou em família. É um álbum para ouvir de luzes apagadas onde fantasmas e sombras se misturam com o som de Mano de Piedra e criam a atmosfera perfeita para te deixar sem respirar durante os sete profundos temas que compõem aquele que será, sem dúvidas, um dos discos de 2025.



👇[Español]
Conozco a Mano di Piedra desde su EP homónimo, lanzado en 2017. En 2019
lanzaron "Today's Ashes" y es con este primer LP que la banda da el primer salto evolutivo, con canciones fuertes e impactantes como "Ancient Gods". Y digo primer salto porque el 25 de abril todo el mundo podrá escuchar “Tales From The Burnt House”, el segundo LP de Mano di Piedra y la prueba de que lo que ya era bueno aún puede mejorar.

El álbum comienza con “At The End Of The Hole”, un tema brillante que atrapa inmediatamente al oyente y nos deja cantando el estribillo hasta el comienzo del siguiente tema, “Young Prometheus”, revelando enseguida que estamos ante un trabajo diverso, donde tema a tema nos sorprenderemos. Y eso es lo que ocurre con “The Beast Inside a Man” y “The Burnt House”, temas donde la dualidad del ser humano y sus demonios están muy presentes en las distintas partes que componen el tema, a veces más tranquilas y tranquilizadoras, a veces más agresivas y desconcertantes.

"Tales From The Burnt House" es como un libro de cuentos, donde las historias contadas no hablan de una casa quemada, sino de un alma que lucha con la pérdida, la oscuridad, el miedo y el aislamiento emocional. Es la historia de un alma profunda que nos toca en lo más profundo, a veces de forma tranquila y casi dulce, a veces de forma gritando y dolorosa, como si nos desgarrara el pecho con su dolor.

Guitarras, bajo y batería se enfrascan en un “Soul Dancing”, dialogan a lo largo del disco de forma sumamente cautivadora y sin que cada instrumento apabulle a los demás, acompañados de la voz de David que asume tantas personalidades como demonios que habitan en la locura de los seres humanos.

“Against The Ruins”, con su ritmo frenético, nos lleva a un trance casi tribal y “Blue Demon”, cierra el disco de forma magistral, donde en lugar de encontrar respuestas, tu espíritu se vuelve aún más inquieto y turbulento.

"Tales From The Burnt House" no es un álbum para escuchar mientras viajas o con tu familia. Es un álbum para escuchar con las luces apagadas, donde fantasmas y sombras se mezclan con el sonido de Mano di Piedra y crean la atmósfera perfecta para dejarte sin aliento durante los siete profundos temas que componen el que sin duda será uno de los álbumes del 2025.




LIVING TALES - Play Session de apresentação do álbum "HADES"


Todos os acontecimentos têm um lado bom e um lado menos bom. E o que vos vou relatar aqui hoje teve o lado menos bom de ter terminado. No entanto, se pensar bem, acabar não é assim tão mau porque só podemos criar memórias (e neste caso memórias maravilhosas) de algo que já aconteceu. As memórias referem-se sempre ao passado. Por isso, o acontecimento de 12 de abril só tem lados bons.

E o que aconteceu dia 12 de abril de 2025?  Os Living Tales apresentaram o seu novo e grandioso álbum “Hades” aos amigos e familiares, numa Play Session na sua sala de ensaios.

Após o agradável convívio entre os presentes, os Living Tales dão início à apresentação de “Hades” com Ana Isola a fazer as honras da casa, agradecendo a presença de todos e referindo que o álbum será tocado na íntegra e pela ordem das canções. E eis que a magia começa!

Com este álbum, os Living Tales provam que não são uma banda em busca de um lugar, mas que são uma banda com um lugar muito bem definido no metal nacional (e não só) e que esse lugar é no topo da pirâmide (ou do Olimpo).

“Hades” é mais do que um álbum de música, é uma viagem às transformações, às superações e à resiliência humanas, mas é também uma viagem ao mais obscuro da humanidade, à luta entre poderes de tantos Hades e de tantas Persephones, onde uns se julgam detentores dos outros. Conseguiremos reencontrar o caminho da luz e da evolução que se parece ter perdido algures numa pandemia? Conseguiremos superar todas a vozes interiores que nos assustam e demonizam? Conseguiremos ser livres? É para estas questões que nos conduz “Hades” uma entidade divina que se apodera da potentíssima voz de Ana para nos atingir com a sua força e insanidade e ao mesmo tempo nos envolver na sua doçura e feminilidade, tal como uma Amazonas que nos domina. Ana não se limita a interpretar os temas, vive-os a cada um como filhos do seu ventre e transporta todas as emoções nas suas expressões vocais, faciais e corporais. Mas enquanto entidade divina, “Hades” não se contenta em possuir a voz e apodera-se também da genialidade de Luís Oliveira que se ultrapassa a si mesmo nas composições, levando atrás de si a frenética e quase insana bateria de Ricardo Carvalho. De forma a provocar a dualidade “Hades” usa o baixo de João Carneiro de uma forma a que este quase contrarie a espiral de frenesim instrumental a que assistimos, criando um diálogo de cumplicidade única entre baixo e guitarra.

Durante aquela quase uma hora de música o tempo parou e o espaço tornou-se etéreo. As sensações provocadas pelos Living Tales sentiam-se na alma e na pele que se arrepiava constantemente. Um desses momentos é o diálogo entre Hades e Persephone, no tema que dá nome ao álbum e que é um dos meus momentos preferidos. Ao vivo, a voz de Hades surge gravada e, se para muitos puristas isto pode parecer quase sacrilégio, confesso que neste caso em concreto cria um ambiente obscuro e tenebroso, como uma voz que surge do além, cavernosa, dominadora e infernal, mas que não tem corpo nem forma. Adorei!

Destaco também o visual da banda, cuidado e com pormenores que funcionam como um todo. O apontamento de vermelho na indumentária de Luís Oliveira, que poderia parecer um ponto de distração em todo o negro dominante dos restantes elementos, funciona como um ponto de luz, sem criar dissonância.

“Hades”, numa noite de temperatura amena, conseguiu arrepiar os presentes num formato de “concerto privado” muito interessante e confortável, onde não nos perdemos no “ruído” que envolve todo um grande concerto e onde cada um de nós se pode focar no que realmente interessa e nos levou até ali: a música, a magia e a grandiosidade dos Living Tales.